Uma Breve Discussão Sobre Overuse na Saúde Brasileira
*David Amizo Frizzo – Advogado responsável pela defesa dos interesses dos associados da ADDM, especialista em Direito médico, atuante há 12 anos no ramo.
O material analisado, busca trazer a tona a discussão em níveis internacionais, sobre o uso excessivo de exames, tratamentos ou serviços diversos na área da saúde, na maioria das vezes de forma desnecessária ou ineficaz, sob a ótica jurídica, deixando de observar que na maioria das vezes tal situação ocorre seja, por questões inerentes a lucratividade, seja pelo exercício da medicina preventiva.
O overuse, como essa situação é conhecida, se traduz pela falta de gestão dos recursos disponíveis, quais poderiam ser minimizados, com a introdução de políticas institucionais, protocolos internos, uso de diversas plataformas e software disponíveis, mas especialmente pela mudança no comportamento dos hábitos aos profissionais envolvidos.
Muitos acreditam que a pratica do Overuse, é apenas um sistema de desperdício, e diagnósticos de doenças que na maioria das vezes, sequer seriam objetos de investigação, por ausência de anomalias.
No texto analisado, buscou apontar como um dos motores para a causa de Overuse, seria a incerteza.
Mas ao apontar para a incerteza como pratica habitual da medicina, apenas como ponto nodal do uso excessivo de exames, ou tratamentos invasivos, é deixar de observar a situação da medicina atualmente.
Acredita-se que os profissionais da saúde são movidos, por interesses financeiros, ou ainda por buscas de crescimento em suas cirurgias eletivas, como forma de demonstrarem seu potencial como profissional.
Ocorre que o ponto atualmente que envolve os profissionais da medicina, é a necessidade de agir baseados na medicina preventiva.
Não é incomum, que milhares de pacientes reclamem diariamente, seja em corredores de unidades de saúde, seja nas redes sociais, ou ainda em entrevistas concedidas, que na maioria dos atendimentos recebidos, em especial na rede pública de saúde, de que médicos, sequer tiveram o interesse em investigar os sintomas, ou ainda, prescrever um medicamento.
Em que pese o artigo analisado, sugerir que o aumento de demandas, poderia ser maior com o uso do overuse, entendemos de forma diversa e critica tal apontamento.
Não se trata apenas de solicitar exames, talvez desnecessários, mas avaliar o contexto da medicina na atualidade.
Isto porque, atualmente precisamos fazer uma distinção em três categorias de profissionais médicos atuantes no sistema de saúde.
A primeira classe de médico, seria aquela advinda da geração anterior aos anos 70, quais foram treinados e capacitados para diagnosticar uma doença, com um simples toque no paciente, ou avaliar seu estado físico de forma a constatar eventual doença. Não são raros os casos de médicos, oriundos desta geração, que com o simples conversar com o paciente, já consegue fazer uma avaliação médica completa, diagnosticando e prescrevendo os medicamentos, na maioria aqueles simples disponibilizados de forma gratuita.
Nesta geração de profissionais, a condição financeira não era algo almejado, mas tratava-se de uma situação natural, pois como o quantitativo de profissionais era relativamente pequeno, haviam muitos pacientes para cada profissional, gerando sempre indicação de novos, e assim acabava progredindo de forma espontânea.
Vamos nos deparar com uma segunda classe de médicos, aqueles advindos da geração dos anos 70 a 90, formados sob a preceptoria dos médicos anteriores, com boa capacitação, mas propensos as novidades tecnológicas, e a busca por uma condição financeira melhor.
Nesta geração, houve grande incentivo farmacêutico, com grande disputas comerciais, envolvendo marcas e patentes de medicamentos introduzidos no mercado.
Aliado aos novos produtos, houve o inicio da era tecnológica, com a introdução de novos equipamentos, e melhor qualidade nos resultados.
Esta geração acabou sendo obrigada a se adequar aos novos meios, com a ideia sedutora das industrias em utilizar-se de seus equipamentos e medicamentos, em favor do paciente, dando inicio a fase do uso excessivo.
Contudo, o problema veio a se agravar através da geração posterior aos anos 90, onde muitos profissionais ingressaram no mercado, com baixa qualidade de ensino, baseados em faculdades e universidades, que passaram a objetivar apenas a lucratividade com o ensino.
Estes profissionais, vieram para o mercado, na maioria das vezes de forma despreparada, e pouca capacitação para fazer um diagnóstico de qualidade.
Aliado ao fato da baixa qualificação, e da alta demanda de profissionais no mercado, muitos profissionais desta geração, acabaram se utilizando do overuse em sua rotina, solicitando vários exames, na maioria das vezes desnecessários, mas não com a intenção de lucratividade ou por medo de litigio.
A questão do uso excessivo, vem aliado a falta de técnica por uma grande maioria dos profissionais, no correto diagnóstico da doença, quais passam a direcionar os pacientes para realizar os exames, e os médicos assistentes ao invés de diagnosticarem, tem a função apenas de ler os laudos e resultados dos exames.
Inclusive como meio de defesa, acusam os laboratórios ou clinicas de exames, de que teriam errado no resultado do exame, sem sequer confrontar as leituras dos mesmos, em conjunto com a anamnese do paciente.
Muitos destes profissionais, aliados a falta de capacitação para o fechamento do diagnóstico, acaba por prescrever vários medicamentos, para em seguida ir corrigindo as doses, e aqueles que se mostram ineficazes.
Não há por parte desta grande maioria de profissionais atuantes no mercado, a preocupação com eventuais danos ou riscos, seja para com o sistema de sáude, tanto privado como público, seja para com a saúde de seus pacientes.
Eles entendem que o excesso de exames, não causa risco, mas seria um eliminador de dúvidas, garantindo ao paciente um rigor excessivo e cautela preventiva por parte do médico, na atuação em favor do mesmo.
Sustentam, seja pela relação médico-paciente, seja pela autonomia do profissional médico, a liberdade em decidir pela melhor terapêutica aplicada.
Tanto eventuais erros médicos, como erros de diagnósticos, dificilmente são levados à apreciação, do poder judiciário ou dos conselhos de medicina, quando estamos diante do overuse, mas é comum vermos médicos processados diariamente, sob o ínfimo argumento de que “aquele sequer me receitou”, ou ainda “não foi capaz de pedir nenhum exame”.
A indicação do artigo, destinado a conduta defensiva do paciente para com os profissionais da saúde, sugere a mudança no comportamento dos pacientes, fazendo crescer o espaço no clima de animosidade entre médico e paciente.
A mudança, deve partir não só do paciente, mas de todo o sistema, incluindo as próprias operadoras de saúde, inclusive o sistema único de saúde.
O uso da medicina preventiva, a definição do melhor tratamento para o paciente por meio da medicina personalizada e uma medicina mais sistêmica, com uso de protocolos e sistemas tecnológicos, podem garantir um fluxo mais adequado de processos e decisões clínicas que ajudem a ter um atendimento de forma mais padronizada.
O uso dos recursos tecnológico deve ser analisado de forma a favorecer a medicina e os cuidados médicos, mas caberá aos profissionais envolvidos uma mudança no comportamento em solicitar de forma aleatória e excessiva, sem critérios específicos.
A situação passa pela real necessidade de elaborar protocolos clínicos apropriados para cada situação, em especial nos prontos atendimentos e setores de urgência, evitando solicitações em demasia.
O favorecimento das relações médico-paciente, aliado aos mais diversos recursos disponíveis, aplicados em consonância com os protocolos clínicos a serem elaborados pelos gestores do sistema de saúde, tanto privado como público, é o único caminho possível para redução da medicina de overuse.