Compliance na Saúde Brasileira
- Opinião Pessoal do Dr. David Amizo Frizzo em relação ao tema
Muito se observou nos artigos, a tentativa de aproximar às más práticas comerciais e atos de corrupção ao sistema único de saúde, e a própria administração pública.
Em verdade, atualmente, especialmente no âmbito do território nacional, a maior incidência de atos de corrupção no sistema médico brasileiro, não está diretamente ligado ao sistema público de saúde, mas sim ao sistema e eixo privado das grandes companhias, indústrias, operadoras e os profissionais médicos atuantes no setor privado.
Ao contrário do que se muito argumenta, as fraudes e práticas de corrupção no sistema de administração pública, não envolvem diretamente os profissionais médicos, ao passo, que envolvem os gestores e responsáveis por processos de compras, licitações direcionadas, recebimento de propina e etc.
Ao profissional médico do sistema de saúde público, não lhe é permitido fazer qualquer tipo de escolha ao uso de medicamentos, exames a ser realizado, inclusive não tendo qualquer contrapartida pelo uso excessivo destes.
São profissionais remunerados, por meio de plantões, ou contratos de trabalho, por jornadas pré-definidas, com poucos casos de recebimento por produtividade.
A atuação destes profissionais, na maioria ocorre nos postos de saúdes, onde já trabalham com uma estrutura de farmácia e uma rede centralizadora de exames.
No caso destes profissionais, não está garantindo aos mesmos qualquer autonomia em sua livre atuação profissional, qual fica restrita a atuar com as condições que lhe são disponibilizadas.
Infelizmente, como em todas as áreas e segmentos, ocorre também casos de corrupção no sistema, mas em sua maioria, os responsáveis pelos acordos, não tem a participação direta dos profissionais da saúde, quais são utilizados apenas como “indicadores” técnicos da qualidade do produto ou serviço oferecido pelas empresas concorrentes, ou ainda como atestadores da eficácia.
Mas esta atuação chega ao ponto insignificante, de que qualquer profissional que tiver a condição de atestar para o uso ou indicação de outras opções de medicamento/equipamentos/materiais no sistema único de saúde, o fará quase que de forma instantânea, uma vez que o oferecido atualmente, restringe-se a uma ou duas opções.
Deixa de valorizar a quebra das patentes, em que o Brasil foi determinante no sistema de saúde internacional, ao popularizar os famosos remédios genéricos, buscando aleijar as práticas comerciais existentes em níveis internacionais, praticadas pelas grandes companhias farmacêuticas.
Foi um passo rumo ao extraordinário, que permitiu acesso da população a diversos medicamentos, antes vinculados a uma marca especifica, e com preços praticados de forma a constituir monopólios.
Na rede de saúde pública, não se tem a opção de indicar uma marca de medicamento, ao médico da linha de frente, seja do pronto atendimento, ou do posto de saúde do bairro, ele trabalha diariamente com medicamentos, em sua maioria fabricados pelas indústrias vinculadas ao ministério da saúde.
Ao médico da rede pública, não se permite sua participação em grandes congressos científicos, quais estão na sua maioria revestido de “propinas”, ao oferece hotéis e viagens de luxo para seus participantes, sob a ótica de estarem complementando seus conhecimentos.
Não se tem conhecimento desta prática vinculada aos médicos da linha de frente, ou da ponta, como se costuma denominar, ao passo que este não tem opção de receitar ou ofertar tratamentos diferenciados aos seus pacientes.
São profissionais dependentes da disponibilidade existente no estoque de cada secretaria municipal de saúde, ou ainda ao que possuem uma limitação escassa nas opções de exames disponíveis em favor de seus pacientes.
É de conhecimento público, que muitos médicos da rede pública, e aqui indicado por minha experiência pessoal, de que mais de 80% dos profissionais de saúde da rede pública, estão vinculados diretamente à estas limitações, necessitando utilizar-se de parcos recursos para obterem um diagnóstico.
Não é incomum, verificar que muitos pacientes, só conseguem fechar os diagnósticos, após o seu falecimento, quando por meio de exames cadavéricos, foi possível identificar a causa morte.
Esta diferenciação é de fácil constatação, quando nos deparamos com um maior índice de solicitação de verificação de óbitos, pela rede pública em comparação com a rede privada, onde neste último caso, estamos diante de um elevado número de declarações de óbitos fornecidas pelos médicos assistentes.
Ao paciente da rede pública, sequer a figura do médico assistente, costuma ser de conhecimento do paciente ou seus familiares, ao passo que a cada dia, diante da alta rotatividade nas escalas de plantão os médicos diferem com muita rapidez.
Aos profissionais da rede privada, este tem um maior acesso na possibilidade de indicarem medicamentos de marcas, ou exames desnecessários, alguns apenas para se aproveitarem de algum tipo de vantagem comercial, advinda seja dos “eventos científicos”, seja por uma bonificação em favor de seus grandes consultórios. Mas se colocarmos pesos e medidas, esta corrupção praticada no Brasil, é muito inferior àquelas praticadas pelos gestores de saúde, quais usando-se dos recursos destinados à saúde da população, desviam a sua finalidade, em detrimento de todo o sistema.
Não estou a defender a pratica destas ações, mas sim comparar que ao contrário do que buscou o eminente autor dos artigos discorrer, é se opor a ideia de que a pratica corruptiva na saúde pública do Brasil, está diretamente “vinculada” a autonomia profissional do médico, ou na sua forma de atuação.
A grande problemática da corrupção instalada no sistema de saúde, está diretamente ligado aos grandes interesses comerciais, propagados pelas indústrias farmacêuticas e laboratoriais.
Este problema tem sua origem no exterior, e não no sistema brasileiro, ao passo que as grandes companhias estão instaladas em territórios estrangeiros, e aqui, são na maioria das vezes representadas por interesses pessoais, de lobistas ou parlamentares que buscam de alguma forma privilégios financeiros.
Atualmente, a maioria dos cargos vinculados às áreas de licitações e compras no Brasil, são ocupados por pessoas indicadas por partidos políticos, ou por políticos ligados à alguma área de seu interesse comercial.
São estas indicações, que deixam na maioria das vezes de observarem a formação técnica, para se envolveram na grande rede de corrupção, pois a própria nomeação destes estão diretamente vinculados a forma como irão atuar.
No Brasil, não há que se falar em questionamentos quanto a autonomia da prescrição médica, mas sim devemos voltar nossos olhos para o problema cerne no sistema atual, qual seja, as teias da corrupção que estão irradiadas em todo o sistema nacional, considerando os cargos mais baixos, aos grandes escalões dos governos.
Para tal, acredita-se que o Brasil, buscou por meios legislativos criar obstáculos para estas situações, atribuindo aqui, a lei anticorrupção (12.846/2013), o próprio código penal que criminaliza a pratica dos atos envolvendo a corrupção ativa, passiva e inclusive nas que envolvem transação comercial internacional. A leis da ação civil pública, dos crimes econômicos (8.137/90), de improbidade administrativa (8.429/92), das licitações (8.666/93), da Lavagem de dinheiro (9.613/98), lei das organizações criminosas (12.850/2013).
Mencionadas leis, são muito anteriores ao inicio das discussões envolvendo o problema do compliance no sistema médico atual, já muito bem observado por nossos legisladores no passado.
Não se trata de falta de mecanismos para punição, pois há atualmente um excesso de leis capazes de inibir a pratica corruptiva.
Em verdade, comungamos do entendimento do eminente autor, quando o mesmo menciona que o problema evidenciado no Brasil esta diretamente ligado as questões culturais. Não basta ter penas severas, legislações que preveem o ato como criminoso, se na prática, estamos diante de um verdadeiro carnaval de operações policiais, com uso de carros alegóricos e adereços, para se fazer uma prisão, e dias após ocorrer a soltura do agente criminoso nas ruas de nossa cidade, que acabam saindo para fora do País, onde responderá pelos supostos crimes, aproveitando-se de uma boa estadia, em grandes cidades metropolitanas da Europa ou dos Estados Unidos.
Há de se observar que as grandes empresas envolvidas em escândalos e práticas de corrupção, possuem suas sedes nos países mais desenvolvidos, e que mesmo havendo grandes mecanismos regulatórias naqueles Países, a aplicação dos programas de compliance não trouxeram resultados práticos aos países em que suas empresas têm área de atuação.
Se pune severamente, quando as práticas delitivas ocorrem em território daquele Páis, mas não se vê qualquer tipo de esforço em evitar as operações internacionais, especialmente aquelas realizadas em países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento.
Falta ao sistema, práticas internacionais e cooperação, como forma de atuação junto às grandes companhias e instituições vinculadas à saúde, buscando aplicar os programas de compliance, de forma internacional, evitando que sejam burlados os sistemas de autonomia de cada país.
Nitidamente, os eventos científicos, não são realizados em sua maioria, em território brasileiro, mas em grandes centros da Europa ou dos Estados Unidos, com a distribuição das “vantagens” nos territórios dos países menos desenvolvidos, sob o ínfimo argumento de que estarem propiciando aos médicos e profissionais da saúde destes países, acesso a tecnologia e medicamentos de “primeiro mundo”.
Ao Brasil, não falta leis a serem aplicadas, falta coragem e incentivo, na maioria das vezes, por culpa do nosso código de processo penal, que impede o acesso das punições previstas em Leis, aos agentes criminosos.
A erradicação da cultura corruptiva, só será possível, após grandes exemplos de condenações, e atuações livres de nossas autoridades policiais, em conjunto com os órgãos fiscalizadores, em especial os Tribunais de contas e o Ministério Público.
Culpar a autonomia do profissional da saúde, é uma forma insignificativa, perante o problema que assola nosso sistema, sem observar os cernes instalados da corrupção no Brasil.