Analise Gestão Jurídica do Risco Hospitalar
No artigo trazido à baila, para nosso estudo, busca introduzir a questão dos questionamentos por erro médico, aliados à uma situação institucionalizada nos Estados Unidos, bem como indicar que nas relações hospitalares, o risco jurídico encontra-se pautado, em especial pela uso incorreto dos prontuários, falta de gestão em seu arquivamento e manutenção, além de falta de políticas especificas na relação com o paciente e familiares, focado na ausência de um termo livre e consentido devidamente preenchido.
Volto a ousar-me em discordar de parte do material analisado, sob alguns pontos, que merecem ser destacados.
Inicialmente, a política indenizatória aplicada nos Estados Unidos, não é base de referência, para qualquer outra país em nível mundial, uma vez que se trata de uma atuação judicial, na maioria das vezes descabidas e desconexas, entre o suposto dano e o valor da condenação.
Não é crível, que uma rede de lanchonete, em que o cliente acabou por queimar sua boca com café, que estaria em temperatura acima do que o habitual, deva ser responsabilizada em pagar uma indenização, acima de 1 milhão de dólares.
Da mesma, forma fixar uma condenação em 50 milhões de dólares, uma família, pelo uso inadequado de um medicamento, também não se mostra admissível.
Referida política indenizatória, deve ser mensurada e analisada por todos os Tribunais Internacionais, como forma de se evitar a industrialização das ações reparatórias.
No caso da medicina, é importante destacar inicialmente, que estamos diante da vida, onde não se pode mensurar seu preço e seu valor.
Para alguém aquela vida tem seu valor e seu respeito, e isso deve ser sempre levado em consideração no momento de se pronunciar uma decisão.
A expressão “uma vida tem valor”, não é algo que deve ser considerado apenas como poesia e campanha de marketing, deve ser analisado por cada Juiz ou Tribunal em que a questão é colocada sob apreço.
No Brasil, o que ocorre diariamente, é uma mudança comportamental no posicionamento dos operadores do direito, sendo que como uma brisa de vento, muitos advogados são direcionados a cada ano, para uma área de atuação, seja pela introdução de um novo entendimento jurisprudencial, seja pela divulgação em massa de resultados obtidos contra especifica área.
Tal situação passou a se consolidar, não quando da introdução da constituição Federal, mas especificadamente, quando introduziu no País o Código de Defesa do Consumidor. Tratou-se um dos mais relevantes instrumentos jurídicos já introduzidos em nosso País, que de forma ímpar soube aplicar a legislação consumerista à vários pontos envolvendo uma relação comercial e de consumo.
Não foi diferente para com a medicina, ao passo que trouxe inovações para a forma de responsabilização, e direitos à informação ao paciente.
Nos idos de 1990, após a entrada em vigor do CDC, tivemos início a criação de diversas organizações sociais, em defesa de pacientes vítimas de erros médicos, que passaram juntamente com institutos de defesa do consumidor, popularizar demandas contra os profissionais médicos e estabelecimentos de saúde.
Até aquele momento, não seria crível ver algum paciente questionar das condutas adotadas por profissionais médicos, seja pelo grande zelo que havia para com aquele na época, seja, pela falta de informação sobre a conduta ou procedimento aplicado ao paciente.
Neste modelo de informação, a sociedade passou a tomar conhecimento sobre as relações de causalidade entre os procedimentos médicos, e suas intercorrências, assim como causas e efeitos dos medicamentos e demais condutas indicadas.
Enquanto não houve os primeiros resultados judiciais favoráveis aos pacientes, esta demanda se mostrou relativamente baixa, quase que passou mais de 10 anos sem qualquer divulgação em nossos órgãos de imprensa.
Contudo, após o início dos anos 2000, visualizamos um início de decisões judiciais favoráveis aos pacientes, especialmente pelo tempo que naquela época se levava para julgar um caso desta grandeza.
Ao surgir as primeiras decisões favoráveis, se deparamos em um primeiro momento, com a baixa significância das condenações, pois muito se acreditava, que condenar um profissional médico, ou um estabelecimento de saúde, em valores baixos, não traria nenhuma vantagem processual, diante da morosidade e da difícil tarefa de produção de provas.
Vem então a ser questionado os Tribunais, quando a responsabilização daqueles agentes, através do CDC, de forma a imputar aos estabelecimentos de saúde a responsabilidade objetiva, transferindo para estas o dever de provar, adimplir com as despesas de eventual perícia, além de que poderia sim haver uma majoração nos valores de condenação, diante do binômio reparação/punição, analisando a condição financeira do ofendido e do ofensor.
Passou então a se adotar pelos advogados atuantes na defesa dos pacientes/familiares, um ajuizamento em massa, não contra os profissionais de saúde, que na maioria das vezes, sequer tinha conhecimento de quem seria tal profissional, mas sim das instituições governamentais que geriam os estabelecimentos de saúde, assim como as operadoras privadas de saúde, como forma de se almejar as condenações.
Neste novo cenário, algumas instituições de saúde, passaram a adotar o princípio da denunciação à lide, imputando aos profissionais a responsabilidade, e alegando a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda.
Não houve durante este período qualquer mudança de comportamento das instituições de saúde, quanto a prevenção ou adoção de medidas, capazes de efetivamente evitar as demandas judiciais, ou propriamente dito, as intercorrências médicas, capazes de serem questionadas pelos pacientes/familiares.
O Judiciário, passou então a questionar os documentos médicos, seja pela ausência de condição de provar o efetivo dano e sua relação de causalidade, partiu pela aplicação mais singela do disposto no Código de Defesa do Consumidor, atribuindo e justificando as condenações, ao simples argumento de “falta de informação” ou “falta de esclarecimento”.
O Conselho Federal de Medicina, há muito vem pregando pela necessidade de correções e esclarecimentos quanto a elaboração dos documentos médicos, e mesmo diante do exponencial crescimento das universidades no Brasil, a qualidade de ensino foi prejudicando o trabalho consciente destas melhorias na elaboração dos respectivos termos.
Não estamos a questionar a interpretação ofertada pelo Judiciário, quando a forma mais simples de reconhecer um possível direito do paciente/familiar sem ser reparado, mas deveríamos observar ad cautela, todas as nuances que envolvem um tratamento médico.
Imperioso, aqui destacar que o profissional de saúde, não tem condições de previsibilidade total sobre a indicação de um medicamento ou de um tratamento, havendo riscos e reações, quais fogem totalmente ao controle do profissional.
Esta falta de controle, é que deveria ser amplamente debatido juntamente com seus pacientes/familiares, como forma de orientar e esclarecer sobre os riscos eminentes e possíveis.
Mesmo nos idos atuais, muitas instituições de saúde, mantém-se fechadas aos aprimoramentos da ciência, da redução drástica ocorrida na literatura médica, que propiciou aos profissionais um maior conhecimento técnico das reações possíveis.
Ao se manter fechado as novas previsões de maleficência onde deve o profissional acima de tudo evitar causar danos aos pacientes, deixou de introduzir aprimoramentos técnicos em sua organização estrutural, que deve ser analisado desde o momento em que o paciente deu entrada no hospital, até sua alta hospitalar.
Vários níveis de treinamento, voltados para a equipe em geral, e em especial aos profissionais médicos, estão disponíveis em favor de uma gestão de risco, que conforme apuração interna, reduz drasticamente eventuais condenações.
Não diferente de toda esta narrativa, muitas operadoras de saúde passaram nos últimos anos a valorizar as instituições hospitalares que inseriram em suas rotinas a certificação de qualidade do serviço prestado.
Esta valorização, veio através de uma remuneração diferenciada, que permitiu aos estabelecimentos absorverem os altos custos desta certificação.
Mesmo diante de novos programas de eficiência, a maioria dos estabelecimentos de saúde, se mantém inertes as mudanças, em especial ao sistema único de saúde, qual não tem qualquer valorização por introduzir os referidos certificados ONA, ou ainda pela falta de investimento governamental em adaptação e mudança estratégica do sistema.
Prevalece ainda em nosso sistema, a teoria de risco, onde se a cada 100, apenas um questionar, ainda sim é viável manter este sistema. Tal qual se fomenta através das multinacionais, em especial os bancos e empresas de telecomunicação, que atualmente trabalham no quantitativo de valores despendidos com eventuais indenizações, e os ganhos com eventuais erros praticados.
Esta teoria, de certa forma, encontra baliza justamente nos valores das condenações atualmente praticados no País, o que difere das políticas adotadas nos EUA, onde os valores das condenações acabam por afundar esta tese de risco.
É preciso adotar medidas seguras ao paciente, mas também é importante ofertar aos profissionais de saúde segurança no exercício profissional.
Atualmente, diante da ausência de uma gestão de risco das instituições de saúde, os próprios profissionais envolvidos no atendimento, passaram a prestar um atendimento médico de forma defensiva, criando barreiras na interlocução com os pacientes/familiares.
Muitos sequer buscam informar aos familiares a evolução à óbito do paciente, utilizando-se de profissionais de psicologia e assistência social, presente no quadro de funcionários dos hospitais para dar esta informação.
O afastamento do médico de seus pacientes/familiares, é sim o grande problema na relação atual, mas apenas quando estamos a questionar eventuais ações judiciais contra o profissional, pois no caso das instituições de saúde, o problema reside na falta de mudança no comportamento daquelas, inclusive como mencionado, na avaliação de que o risco ainda vale a pena diante dos valores fixados.
Não estou a sugerir que as condenações tenham uma mudança em seus padrões, pois é crível que ninguém poderia estar se locupletando ilicitamente, sobre a vantagem do outro, em busca de um enriquecimento sem causa.
Mas imperioso que o Judiciário, não pode utilizar-se dos caminhos mais simples para aplicar uma possível condenação, em especial atribuir um insucesso do tratamento, ou um resultado adverso, apenas à falta de informação prestada de forma clara, objetiva, livre e esclarecida. A evolução e os novos desafios à própria advocacia, qual na sua maioria não tem o conhecimento técnico necessário para se discutir judicialmente uma questão envolvendo relação médico-paciente, mantém os atuais índices de condenação, em níveis baixos, favorecendo a manutenção da situação no estado em que se encontra, justamente porque entende os gestores, que o risco vale a pena.